O CAMINHO PORTUGUÊS
Já com o caminho português, ou melhor, com os caminhos portugueses, a situação é diferente.
As vias portuguesas de peregrinação foram estudadas com maior ou menor profundidade por Costa Veiga, Pierre David, Avelino Costa, António Cruz, Veríssimo Ferrão, Baquero Moreno, e Carlos Gil, entre outros. Mas há a convicção, sublinhada por Baquero Moreno, que ainda hoje são desconhecidas muitas vias que serviam de acesso aos peregrinos.
Referindo-nos ao período medieval, parece não haver dúvidas de que os trajectos por via terrestre tinham por base a rede viária traçada pelos romanos e pelos árabes, conforme judiciosamente assinala Oliveira Marques.
Na época, os rios representavam um dos principais obstáculos dos trajectos terrestres. A ponte era assim, pela sua utilidade e necessidade, uma das poucas obras públicas medievais assinaláveis.
A informação conhecida sobre os caminhos portugueses é escassa e insuficientemente tratada.
Nos arquivos da Ordem de Sant’Iago da Espada existe alguma documentação, pois esta Ordem, oficializada em 1170 por Fernando II de Leão, tinha como objectivos fazer a guerra aos infiéis, auxiliar os pobres e defender os peregrinos. Mas a verdade é que foi o primeiro objectivo – fazer a guerra – que predominou e a informação sobre a defesa e protecção dos peregrinos, designadamente a criação de estalagens e hospitais de apoio é muito insuficiente.
De notar também que não são conhecidos muitos relatos de peregrinação a Compostela nos caminhos portugueses. O mais completo é o do padre Confalonieri que em finais do século XVI foi de Lisboa a Santiago. Mas já muito antes, no século XII, o geógrafo árabe Edrisi, autor da obra intitulada Recreio do que anseia percorrer os horizontes do mundo, descreveu dois itinerários portugueses para Santiago: Coimbra – Compostela por mar e Coimbra – Compostela por terra.
Ficamos com uma certeza: a de que, sem qualquer dúvida, o concelho e a própria terra de Tondela foram percorridos por peregrinos que demandavam Santiago de Compostela.
Aliás um dos factores que justifica o desenvolvimento de Tondela, que destronou Molelos, sede do concelho de Besteiros desde o século XIII, passando para esta cidade a liderança do novo concelho criado no século XIX, foi precisamente ter sido um núcleo populacional determinado por um cruzamento de caminhos.
A outra via importante que se cruza em Tondela com a que referi é a que tem origem na importante estrada romana que partia da ponte de Alcântara, onde podiam chegar viajantes oriundos até de Mérida e Sevilha, e passava por Idanha, Penamacor, Valhelhas, Bobadela, Midões, Ferreirós do Dão, Tonda, Tondela, Santa Eulália, Guardão e Alcofra, descia a Serra do Caramulo e ia entroncar na principal via que é considerada o caminho central português para Santiago de Compostela, isto é, a estrada que ligava Lisboa ao Porto. Como se percebe a Estrada 230 que liga Tondela ao Caramulo aproveitou, pelo menos em parte, o traçado desta via romana.
É razoável admitir que também por esta velha estrada romana, depois alterada e melhorada ao longo dos séculos, passaram muitos peregrinos a caminho de Santiago.
Não podemos esquecer que os caminhos percorridos por quem demandava Compostela eram agrestes, isolados e inóspitos, apesar de onde em onde existirem hospedarias ou conventos que apoiavam os caminhantes. E sobretudo esses caminhos eraminseguros. Não é portanto de estranhar que alguns viajantes vindos de leste optassem por atravessar o território na diagonal para alcançar o caminho central, o mais seguro de todos, e não seguissem a rota por Viseu, Lamego, Vila Real e Chaves.
Coloco agora a hipótese de mais um Caminho de Santiago no território de Tondela.Mais rigorosamente poderemos considerá-lo um hipotético atalho de Santiago.
O geógrafo árabe Edrisi de que já falei, enumera vários itinerários e faz referência a um local de passagem próximo de Viseu a que chama Watira que significa Outeiro e que será certamente o actual S. Miguel do Outeiro. Não é de admirar a passagem de peregrinos nesta zona, sobretudo os que vinham de sueste ao longo de diferentes vias, sendo a mais importante a estrada medieval, hoje estrada 337, se não estou em erro, que passa por Oliveira do Hospital, Cabanas de Viriato, Parada de Gonta e que se cruza com a estrada Santa Comba – Viseu nas imediações de S. Miguel do Outeiro. Aqui os peregrinos tinham duas opções: ou seguiam para Viseu e continuavam por Lamego, Vila Real e Chaves ou pretendiam alcançar o caminho central e então prosseguiam no caminho medieval que seguia para Santa Eulália, hoje Campo de Besteiros. Nas imediações de Vilar fariam uma inflexão para oeste, atravessariam a ribeira das Mestras e continuavam para Santiago, passando junto à igreja e ultrapassando o rio em direcção à Portela após o que subiriam a serra do Caramulo até ao Guardão, até encontrar a estrada romana já referida.
É verdade que não existem provas documentais do que acabo de afirmar. Mas interrogo-me porque terão sido construídas duas pontes de pedra de excelente traça, em plena Idade Média, naquela região, qual a causa da freguesia ter por patrono o Apóstolo Santiago e porque é que a povoação seguinte se chama Portela um topónimo que é um diminutivo medieval de porta no sentido de entrada para algo de relevante que, no caso poderia ser o caminho que subia a serra do Caramulo.
Deixo estas interrogações esperando que uma investigação mais sistematizada e aprofundada venha a trazer luz sobre a hipótese que formulei.
Creio mesmo que deveriam ser criados incentivos para que investigadores a prepararem teses de pós-graduação, mestrado ou doutoramento, escolhessem este assunto como tema de dissertação.
O aprofundamento do conhecimento histórico será sempre um elemento que valoriza a identidade cultural da região e Tondela bem merece que essa identidade cultural se torne cada vez mais forte e relevante.